O que é o Tema 942? Ele se aplica a militares?

Tema 942

No intrincado universo do direito previdenciário, teses e temas de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF) frequentemente moldam a interpretação e a aplicação das normas. Entre eles, o Tema 942 se destaca por abordar uma questão sensível aos servidores públicos: a possibilidade de conversão, em tempo comum, do tempo de serviço prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, para fins de obtenção de outros benefícios previdenciários.

Para advogados militantes na área previdenciária, compreender a extensão e os limites do Tema 942 é crucial. Uma das dúvidas recorrentes reside na sua aplicabilidade aos militares. Afinal, a natureza peculiar da atividade militar, muitas vezes exercida em condições de risco e insalubridade, poderia, em tese, justificar a extensão do entendimento firmado pelo STF.

Neste artigo, analisaremos em profundidade o Tema 942, desvendando seu escopo e, principalmente, explicitando as razões pelas quais não se aplica aos militares das Forças Armadas, com base na legislação constitucional, infraconstitucional e na jurisprudência consolidada.

Desvendando o Tema 942: A Conversão do Tempo Especial para Servidores Públicos Civis

O Tema 942 do STF, originado do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.014.286, com repercussão geral reconhecida, versa sobre o direito à conversão, em tempo comum, do tempo de serviço prestado em atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público civil. A tese fixada pelo Plenário do STF em 31 de agosto de 2020, com acórdão redigido pelo Ministro Edson Fachin, estabeleceu um marco temporal crucial:

  • Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão do tempo especial em comum para os servidores públicos civis decorria da previsão constitucional de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria daqueles que trabalhavam em condições nocivas. Para viabilizar esse direito, os servidores deveriam aplicar as normas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) relativas à aposentadoria especial, previstas na Lei nº 8.213/91, até a edição de lei complementar específica
  • Após a vigência da EC nº 103/2019, o direito à conversão em tempo comum do tempo prestado sob condições especiais pelos servidores públicos civis passou a obedecer à legislação complementar dos entes federados, em conformidade com a competência conferida pelo artigo 40, § 4º-C da Constituição da República.

O cerne do Tema 942 está no reconhecimento de que o trabalho em condições prejudiciais à saúde exige um tratamento diferenciado no cômputo do tempo de serviço. Assim, o trabalhador pode converter esse período para outras modalidades de aposentadoria, mesmo quando não completa os requisitos para a aposentadoria especial. Essa conversão operava como um preceito de isonomia, buscando compensar os riscos impostos aos trabalhadores expostos a agentes nocivos.

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A Inaplicabilidade do Tema 942 aos Militares: Um Regime Jurídico Distinto

Embora a atividade militar possa envolver, e frequentemente envolve, exposição a condições perigosas e insalubres, o Tema 942 não se estende aos militares das Forças Armadas. Essa distinção fundamental decorre da existência de um regime jurídico próprio para os militares, estabelecido em seções distintas da Constituição Federal e regulamentado por legislação específica.

A Constituição Federal, após as alterações promovidas pelas Emendas Constitucionais nº 03/1993 e nº 18/1998, separou as categorias de servidores, dedicando a Seção II ao tema dos “Servidores Públicos” (artigo 39 e seguintes) e a Seção III aos “Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” (artigo 42) e às Forças Armadas (artigo 142). Essa dissociação constitucional evidencia que os militares não se enquadram na categoria genérica de “servidores públicos” para fins de aplicação do artigo 40 da Constituição, salvo expressa disposição em contrário.

O artigo 142 da Constituição Federal, que trata das Forças Armadas, estabelece em seu inciso VIII quais dos direitos sociais previstos no artigo 7º são aplicáveis aos militares. É crucial notar que não há, nesse rol, qualquer menção ao direito ao adicional por exercício de atividades penosas, insalubres ou perigosas, tampouco a qualquer forma de contagem diferenciada de tempo de serviço em razão dessas condições. A ausência dessa previsão constitucional é um dos pilares para a inaplicabilidade do Tema 942 aos militares.

Ademais, o Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80) define o regime jurídico da categoria, concede direitos e prerrogativas e impõe deveres e obrigações específicas. Não existe, nessa legislação, qualquer previsão de cômputo de tempo especial pelo exercício da atividade militar em condições insalubres ou perigosas, exceto em situações específicas como tempo passado em campanha ou em guarnições especiais, que não se confundem com a conversão de tempo especial em comum para fins de outros benefícios previdenciários.

A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) é uníssona em rejeitar a aplicação do Tema 942 aos militares, conforme se depreende dos diversos acórdãos colacionados. Os tribunais regionais federais têm reiteradamente fundamentado a inaplicabilidade do Tema 942 nos seguintes pontos:

  • Regime Jurídico Próprio: Os militares estão sujeitos a um regime jurídico constitucional e infraconstitucional específico, distinto do regime aplicável aos servidores públicos civis.
  • Ausência de Previsão Constitucional: O artigo 142 da Constituição Federal não estende aos militares o direito à contagem diferenciada de tempo de serviço por condições especiais, ao contrário do que dispunha o artigo 40, § 4º, III antes da EC 103/2019 para os servidores civis.
  • Ausência de Previsão Legal no Estatuto dos Militares: A Lei nº 6.880/80 não contempla a possibilidade de conversão de tempo especial em comum para os militares em razão de atividades insalubres ou perigosas.

Inaplicabilidade da Lei nº 8.213/91: A Lei nº 8.213/91, que regulamenta o Regime Geral de Previdência Social e é utilizada como parâmetro para a conversão do tempo especial dos servidores civis antes da EC 103/2019 (conforme o Tema 942 e a Súmula Vinculante nº 33), não se aplica aos militares, que possuem um sistema de proteção social próprio.

É importante ressaltar que o RGPS computa o tempo de serviço militar, inclusive o voluntário, como tempo de contribuição para aposentadoria, conforme o artigo 55, I da Lei nº 8.213/91. No entanto, esse período conta apenas como tempo comum, sem acréscimo ou conversão por condições especiais vivenciadas durante o serviço militar A legislação do RGPS prevê a contagem do tempo militar como exceção ao regime contributivo, mas essa regra excepcional não permite interpretação extensiva para o reconhecimento de tempo ficto ou especial.

A alegação de que a atividade militar é, por sua natureza, uma atividade de risco, perigosa e insalubre, embora verdadeira, não enseja a aplicação automática das regras de conversão de tempo especial previstas para os servidores públicos civis. A própria Constituição Federal estabeleceu um tratamento diferenciado, com direitos e deveres específicos para os militares.

Em suma, a tentativa de enquadrar o tempo de serviço militar como especial, com base na Lei nº 8.213/91 ou no entendimento do Tema 942, esbarra na ausência de amparo legal e constitucional para essa equiparação. O regime previdenciário dos militares é distinto, e somente as disposições expressamente estendidas a eles pela Constituição Federal e por leis específicas são aplicáveis.

Distinções Fundamentais entre Servidores Públicos Civis e Militares

Para reforçar a compreensão da inaplicabilidade do Tema 942 aos militares, é fundamental destacar algumas das distinções cruciais entre as carreiras de servidor público civil e militar:

  • Natureza da Atividade: A atividade do servidor público civil abrange uma vasta gama de funções, enquanto a atividade militar é essencialmente voltada para a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constituídos e da lei e da ordem.
  • Regime Jurídico: Servidores públicos civis são regidos, em âmbito federal, pela Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico Único), enquanto os militares possuem um estatuto próprio (Lei nº 6.880/80) e estão sujeitos a normas específicas.
  • Previdência: Servidores públicos civis são vinculados a Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), enquanto os militares possuem um sistema de proteção social próprio, com características distintas do RGPS e dos RPPS.
  • Direitos Sociais: A Constituição Federal especifica quais dos direitos sociais previstos no artigo 7º se aplicam aos militares (artigo 142, VIII), sendo este rol taxativo e não incluindo o direito à contagem especial de tempo de serviço por insalubridade ou periculosidade.

Essas diferenças substanciais justificam o tratamento legal diferenciado e a não extensão de institutos previdenciários previstos para uma categoria à outra, salvo expressa disposição legal.

Conclusão: A Especificidade do Regime Militar e a Não Incidência do Tema 942

Em suma, o Tema 942 do STF, que reconheceu o direito dos servidores públicos civis à conversão de tempo especial em comum para fins de outros benefícios previdenciários, não se aplica aos militares das Forças Armadas. Essa inaplicabilidade decorre da existência de um regime jurídico próprio para os militares, estabelecido em seções distintas da Constituição Federal e regulamentado por legislação específica (Estatuto dos Militares). A Constituição não estende aos militares o direito à contagem diferenciada de tempo de serviço por condições especiais, e o Estatuto dos Militares não prevê tal possibilidade.

A jurisprudência consolidada do TRF4 e a doutrina especializada confirmam essa distinção e reforçam que o RGPS conta o tempo de serviço militar apenas como tempo comum, sem permitir a conversão em especial ou a aplicação dos critérios do Tema 942

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