Idade mínima para trabalho rural no STF, STJ e TNU

A aposentadoria por tempo de contribuição é uma das modalidades mais buscadas no âmbito da Previdência Social brasileira, especialmente no trabalho rural que, historicamente, iniciaram suas atividades ainda na infância ou adolescência.

A questão da idade mínima para que o tempo trabalhado na lavoura seja computado como tempo de contribuição tem gerado debates no meio jurídico, especialmente considerando as normas protetivas contra o trabalho infantil e a realidade socioeconômica do campo.

Neste artigo, analisaremos as posições do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da Turma Nacional de Uniformização (TNU), com base em decisões paradigmáticas, trazendo os números dos acórdãos e trechos relevantes para orientar advogados previdenciaristas.

Trabalho rural

Tópicos

Supremo Tribunal Federal (STF)

O STF tem um posicionamento claro de que a norma protetiva do trabalho não pode ser interpretada em prejuízo da criança ou do adolescente. A idade mínima de 16 anos para o trabalho, conforme estabelecido no art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal, não pode ser usada para negar benefícios previdenciários a quem trabalhou na roça antes dessa idade.

Na verdade, o STF tem reconhecido a possibilidade de computar o tempo de atividade rural exercida na infância para fins previdenciários. Esse entendimento considera a realidade histórica e social do Brasil, onde o trabalho infantil no meio rural era uma prática comum.

Em decisão no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 600.616, relatado pelo Ministro Roberto Barroso e julgado em 26 de agosto de 2014, o STF firmou o seguinte entendimento:

“Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos”.

Essa decisão reforça que a intenção da norma é proteger, e não prejudicar, o trabalhador que, por necessidade, iniciou suas atividades laborais mais cedo.

Mais especificamente, as razões de decidir que levaram o STF a afastar o limite mínimo de idade para computar o período rural, podem ser explicadas da seguinte forma:

  • Natureza Protetiva das Normas Trabalhistas: O principal argumento é que as normas constitucionais e infraconstitucionais que visam proteger o trabalhador não podem ser interpretadas de forma a prejudicá-lo. No caso do trabalho rural, a proibição do trabalho infantil (menores de 16 anos) não pode ser usada para negar direitos previdenciários àqueles que, por necessidade, iniciaram suas atividades laborais em idade inferior à permitida.
  • Interpretação Favorável ao Trabalhador: A jurisprudência do STF é consistente em interpretar as normas de garantia do trabalhador de maneira favorável, evitando que a proteção se transforme em um prejuízo. Isso significa que a idade mínima para o trabalho não deve ser um obstáculo para o reconhecimento do tempo de serviço rural e a concessão de benefícios previdenciários.
  • Caso Concreto e Necessidade: o STF considera a realidade de muitos trabalhadores rurais que começam a trabalhar desde cedo para ajudar no sustento da família. Negar o direito à seguridade social a essas pessoas seria ignorar sua condição de vulnerabilidade e o fato de que o trabalho infantil, embora proibido, é uma realidade em muitas regiões.

Em resumo, o STF entende que a proibição do trabalho infantil não pode ser usada para prejudicar o trabalhador rural que iniciou suas atividades antes da idade mínima, garantindo o direito à seguridade social desde que comprovado o efetivo trabalho e a necessidade de ajudar no sustento familiar.

Trabalho rural

Superior Tribunal de Justiça (STJ)

O STJ também segue a mesma linha de entendimento do STF, assegurando que a vedação ao trabalho infantil não deve prejudicar o menor que, por necessidade, exerceu atividade rural antes da idade mínima. O STJ entende que a proibição do trabalho infantil visa proteger o menor, e não prejudicá-lo.

A título de exemplo, podemos citar decisão no AgInt no REsp 1679865, relatado pelo Ministro Gurgel de Faria e julgado em 30 de agosto de 2021, o STJ se posicionou no seguinte sentido:

“O Superior Tribunal de Justiça, desde há muito, tem se posicionado no sentido de que a vedação legal do trabalho infantil tem por escopo proteger o menor e, portanto, não pode ser utilizada em prejuízo daquele que foi obrigado, dadas as circunstâncias, a exercer o trabalho em idade inferior ao limite etário mínimo”.

A Primeira Turma do STJ assentou o entendimento de que o não preenchimento do requisito etário exigido para a filiação ao RGPS como segurado especial não constitui óbice à concessão de benefício previdenciário a jovem que foi impelida a exercer trabalho rural em regime de economia familiar.

Como você pode ver, as razões do STJ e do STF convergem ao priorizar a proteção ao trabalhador, entendendo que a proibição do trabalho infantil não deve prejudicar o acesso a direitos previdenciários. Ambas as cortes consideram a realidade do trabalho rural precoce e a necessidade de amparar os mais vulneráveis. O STJ adiciona o contexto legal da época, que permitia o trabalho a partir dos 12 anos.

Turma Nacional de Uniformização (TNU)

A Turma Nacional de Uniformização (TNU) firmou o entendimento no Tema 219 de que é possível computar o tempo de serviço rural prestado por menores de 12 anos, desde que comprovada a efetiva prestação do labor campesino.

A decisão converge com as razões do STJ e do STF ao priorizar a proteção ao trabalhador, entendendo que a proibição do trabalho infantil não deve prejudicar o acesso a direitos previdenciários. Ambas as cortes consideram a realidade do trabalho rural precoce e a necessidade de amparar os mais vulneráveis.

No entanto, na prática, observa-se que juízes de instâncias inferiores têm adotado uma postura que, de certa forma, contorna a diretriz estabelecida pela TNU. Embora formalmente reconheçam que as normas que impõem limites ao trabalho infantil são protetivas e não devem ser aplicadas em prejuízo do menor, esses magistrados frequentemente argumentam que a comprovação do trabalho rural, em qualquer idade, está sujeita à análise das provas apresentadas nos autos.

Nesse contexto, a TNU se vê limitada pela Súmula 42, que impede o reexame de matéria de fato em incidentes de uniformização. Assim, se os juízes de primeira instância “entendem” que as provas apresentadas não são suficientes para comprovar o exercício da atividade rural, o pedido de reconhecimento do tempo de serviço é negado.

Essa interpretação permite que, mesmo diante do Tema 219, a decisão final dependa da valoração subjetiva das provas por parte do juiz, podendo levar a resultados contraditórios e à relativização do direito ao reconhecimento do tempo de serviço rural para fins previdenciários.

Um exemplo dessa situação pode ser observado no pedido de uniformização 5002993-20.2022.4.04.7013/PR. Nesse caso, o autor buscava o reconhecimento do tempo de serviço rural prestado entre 1979 e 1983, quando tinha menos de 12 anos. A Turma Recursal do Paraná negou o pedido, sob o argumento de que não havia sido comprovada a essencialidade da atividade para o sustento do grupo familiar. O relator do pedido de uniformização na TNU não admitiu o incidente, por entender que a decisão da Turma Recursal estava em consonância com o Tema 219, uma vez que a negativa não se baseou apenas na idade do autor, mas na ausência de provas da essencialidade do trabalho. Veja o fundamento da decisão da TNU:

O acórdão na origem negou provimento ao recurso da parte autora, mantendo sentença que não reconheceu a condição de segurado especial do autor no período de 15/03/1979 a 14/03/1983, para efeito de cômputo do tempo contributivo. Vide trecho relevante do acórdão recorrido:

“(…) Na hipótese dos autos, não é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural de 15/03/1979 a 14/03/1983, pois o autor estudava nessa época e não é explicado como ia para a escola e quanto tempo levava. Ademais, a tarefa de fazer montes de cana, ainda que compatível em tese com a idade, não é colocada como essencial para o grupo familiar.

Além disso, a primeira testemunha não afirma o trabalho do autor nesse período reclamado, mas apenas refere que começou a trabalhar cedo. Trouxe ainda um dado muito relevante, consubstanciado no fato de que a fazenda tinha uma colônia muito bastante grande, com algo em torno de 90 a 100 residências para funcionários, o que torna pouco crível a necessidade da mão-de-obra de uma criança tão pequena que, na afirmação dessa mesma testemunha, ainda estudava. As outras duas testemunhas, referem genericamente à atividade do autor quando ainda muito jovem, mas uma delas menciona trabalho na “lavoura” e a outra menciona uma gama ainda maior de atividades, apesar de reconhecer que estudava naquela ocasião.

O que se vê é que, tendo sua família vocação rural, certamente auxiliava nessa atividade como forma de aprendizado e introdução na cultura rural, porém, não de forma significativa a ponto de reconhecer sua condição de segurado obrigatório da previdência social.”

Como se vê, o acórdão não deixou de reconhecer a condição de segurado especial apenas pelo fato de o autor possuir menos de 12 anos ao tempo do exercício da atividade, mas, diante da valoração das provas constantes dos autos (provas material e testemunhal), porque sua contribuição não era essencial para o grupo familiar.

Assim, não identifico contrariedade à tese firmada no Tema 219 pela TNU, a qual permite a aferição, no caso concreto, da efetiva prestação pelo menor de doze anos de labor rural, na condição de segurado especial, e veda, exclusivamente, a interpretação segundo a qual esse enquadramento é, a priori, impossível.

Por essa razão, deve-se aplicar o disposto no art. 14, VI, g, do Regimento Interno da TNU, no sentido de que não deve ser admitido o incidente de uniformização quando o acórdão recorrido estiver em consonância com entendimento dominante da Turma Nacional de Uniformização

Por fim, para se chegar a conclusão diversa da Turma Recursal, seria imperioso revisitar o acervo probatório, o que não tem lugar em pedido de uniformização, nos termos da Súmula n 42/TNU:

Não se conhece de incidente de uniformização que implique reexame de matéria de fato.

Ante o exposto, voto por não admitir o pedido de uniformização nacional interposto pela parte autora.

Essa decisão demonstra como a TNU, mesmo reconhecendo a validade do Tema 219, acaba por validar decisões que, na prática, dificultam o reconhecimento do tempo de serviço rural prestado por menores de 12 anos. A exigência de comprovação da essencialidade do trabalho para o grupo familiar, somada à impossibilidade de reexame das provas pela TNU, cria uma barreira que muitos trabalhadores rurais não conseguem transpor.

Em suma, a TNU estabeleceu o entendimento de que a idade mínima não pode ser um obstáculo automático para o reconhecimento do tempo de serviço rural, mas a comprovação da atividade e sua essencialidade para a família continuam sendo requisitos fundamentais. A aplicação desse entendimento, no entanto, esbarra nas limitações impostas pela Súmula 42, permitindo que a valoração das provas pelos juízes de instâncias inferiores prevaleça, mesmo que isso signifique, na prática, a negação do direito ao reconhecimento do tempo de serviço rural.

Trabalho rural

Considerações Finais

A consonância entre STF, STJ e TNU evidencia um entendimento consolidado acerca de que não há uma idade mínima para o reconhecimento do trabalho rural como tempo de contribuição. Esse posicionamento leva em conta as peculiaridades do trabalho no campo e a necessidade de proteção previdenciária daqueles que iniciaram suas atividades laborais em tenra idade.

No entanto, é importante fazer prova firme do trabalho rural em tenra idade, já que os juízes de primeira e segunda instâncias, à vista do posicionamento da TNU, do STJ e do STF, têm dificultado a prova do trabalho rural na infância.

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