No tema 1070, o STJ decidiu que desde a Lei 9876/99 o INSS deveria ter somado os salários em atividades concomitantes em um mesmo mês, mas o INSS não fez isso e prejudicou as pessoas.
Milhares de pessoas em todo o Brasil trabalham em mais de uma atividade, ou em mais de um emprego. Isso ocorre com enfermeiros, que trabalham em mais de uma Unidade de Saúde; ou com professores, que dão aulas em mais de uma instituição, só para citarmos dois exemplos.
A maior parte dos advogados, entretanto, não está pronta para receber essa demanda gigantesca de clientes que necessitam fazer a revisão de sua aposentadoria e, o que é pior, por não saberem, acabam desperdiçando uma ação com ótimo potencial de ganho.
Por isso, esse texto tem em mira te ajudar a se qualificar para aceitar ações de revisão de atividades concomitantes.
Por outro lado, caso você não seja advogado, te aconselho um outro conteúdo que fizemos e que trata do assunto de uma forma mais simplificada (CLIQUE AQUI)
Tópicos
- Pertinência do Tema 1070 do STJ – Contexto Histórico
- Quais Foram as Teses Defendidas pelos Advogados em Casos de Atividades Concomitantes?
- O que foi Decidido pelo STJ na Tese Fixada do Tema 1070?
- O que Muda com a Lei 13.846/2019
- O INSS Reconhece a Revisão das Atividades Concomitantes Após a Decisão do STJ?
- Perguntas e Respostas Sobre o Tema 1070 do STJ
- Conclusão
Pertinência do Tema 1070 do STJ – Contexto Histórico
A Lei de Benefícios, Lei 8213/91, em sua redação original, estabeleceu uma forma de cálculo do salário-de-benefício para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que considerava pouquíssimo tempo de contribuição. Vejamos o dispositivo pertinente:
Art. 29. O salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48(quarenta e oito) meses.
Assim, note que o dispositivo transcrito acima determina que o salário-de-benefício seria calculado com base em apenas 36 contribuições mensais, dentro das últimas 48. Em outras palavras, das últimas 48, seriam desconsideradas 12 e feita a média das 36 restantes.
Ocorre que, ao considerar período de contribuição tão curto para fim de cálculo do salário-de-benefício, o legislador abriria espaço para que um segurado planejasse sua aposentadoria, deixando para recolher boas contribuições apenas nos últimos 36 meses anteriores ao pedido de aposentadoria, concorda?
Por conta disso, o legislador implementou medidas visando impedir que isso acontecesse. Vamos a elas:
A primeira dessas medidas legais poderia ser encontrada no art. 29, da Lei 8212/91 (Lei de Custeio da Previdência). Veja:
Art. 29. O salário-base de que trata o inciso III do art. 28 é determinado conforme a seguinte tabela:
Classe | Salário-base | Número mínimo de meses de permanência em cada classe (interstícios) |
1 | R$120,00 | 12 |
2 | R$206,37 | 12 |
3 | R$309,56 | 24 |
4 | R$412,74 | 24 |
5 | R$515,93 | 36 |
6 | R$619,12 | 48 |
7 | R$722,30 | 48 |
8 | R$825,50 | 60 |
9 | R$928,68 | 60 |
10 | R$1.031,87 | – |
Assim, observe que o segurado não poderia simplesmente aumentar suas contribuições de uma hora para a outra. Deveria respeitar o intervalo legalmente previsto de permanência naquela faixa de arrecadação.
Ocorre que, o segurado poderia, ao invés de recolher como contribuinte individual/autônomo, conseguir um emprego e, assim, manter duas atividades durante os 36 meses que seriam computados para calcular o salário-de-benefício.
Por isso, o legislador criou uma segunda medida legal para impedir esse recolhimento que ofenderia as contas públicas, qual seja, a sistemática atividade principal-atividade concomitante. Vejamos:
(…)
Art. 32. O salário-de-benefício do segurado que contribuir em razão de atividades concomitantes será calculado com base na soma dos salários-de-contribuição das atividades exercidas na data do requerimento ou do óbito, ou no período básico de cálculo, observado o disposto no art. 29 e as normas seguintes:
I – quando o segurado satisfizer, em relação a cada atividade, as condições do benefício requerido, o salário-de-benefício será calculado com base na soma dos respectivos salários-de-contribuição;
II – quando não se verificar a hipótese do inciso anterior, o salário-de-benefício corresponde à soma das seguintes parcelas:
a) o salário-de-benefício calculado com base nos salários-de-contribuição das atividades em relação às quais são atendidas as condições do benefício requerido;
b) um percentual da média do salário-de-contribuição de cada uma das demais atividades, equivalentes à relação entre o número de meses completo de contribuição e os do período de carência do benefício requerido;
III – quando se tratar de benefício por tempo de serviço, o percentual da alínea b do inciso II será o resultante da relação entre os anos completos de atividade e o número de anos de serviço considerado para a concessão do benefício.
LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991
Da leitura atenta do dispositivo supra transcrito, você perceberá que o INSS não deveria fazer um cálculo de salário benefício, mas sim, um cálculo para cada atividade, encontrando a média de cada uma e, por fim, aplicando uma proporção equivalente ao percentual de tempo cumprido. Assim, se fosse necessário contribuir por 35 anos, mas o período de atividade concomitante fosse de 3,5 anos, o percentual seria de apenas 10%.
Vê-se, pois, que o resultado dessa medida era desestimular os segurados de procurarem um emprego como segunda atividade nos últimos 36 anos de trabalho, com o fito de elevar o valor do salário-de-benefício.
Quais Foram as Teses Defendidas pelos Advogados em Casos de Atividades Concomitantes?
Se é verdade que a medida legal contida no art. 32 supra transcrito desestimulava fraudes, também é verdade que prejudicava muitas pessoas que, de fato, mantinham duas ou mais atividades. Isso porque, o valor do salário-de-benefício era muito impactado e a pessoa que exercia duas ou mais atividades de boa fé, sofria prejuízos terríveis e não podia evitar que a regra lhe fosse aplicada.
Por conta disso, advogados de todo o país passaram a desenvolver e ajuizar teses de revisão que visavam afastar a regra do art. 32 da Lei 8213/91. Desse modo, para aclarar ainda mais o assunto, vamos listar cada tese e apresentar uma explicação sucinta sobre cada uma:
- Atividade principal seria a de maior proveito econômico
- O INSS, além de calcular dois salários de benefícios, ainda considerava, por vezes, como principal a atividade na qual o segurado recebia a menor renda. Para exemplificar, imagine que alguém tenha contribuído como individual/autônomo a vida toda e recolhido sobre um salário mínimo, mas que, nos últimos 5 anos tivesse conseguido um emprego que lhe pagava dois salários mínimos. O INSS continuaria a considerar a atividade de maior remuneração como a principal e, com isso, o salário-de-benefício seria muito impactado, já que, na segunda atividade, ele somente teria 5 anos de contribuição. Pois bem, para evitar maiores delongas aqui, basta dizer que a Jurisprudência acolheu amplamente essa tese;
- Um único fator previdenciário
- No que pese o art. 32 supra transcrito não tenha se referido ao fator previdenciário, o INSS passou a aplicar a regra para calcular o fator previdenciário. Em outras palavras, o INSS calculava um fator previdenciário para cada atividade e, com isso, provocava a redução ainda maior do salário-de-benefício. Diante disso, a tese pretendia a aplicação de apenas um fator previdenciário e não de múltiplos fatores e restou acolhida pela Jurisprudência;
- Afastar a regra do art. 32 da Lei 8213/91 para pessoas que exercem a mesma profissão, em vínculos diferentes
- Como o art. 32 tratava de atividade principal e atividade concomitante, em casos nos quais a atividade era a mesma, não faria sentido a aplicação da regra das atividades concomitantes. Essa tese não foi muito veiculada e não há jurisprudência pacífica sobre o assunto;
- Revogação tácita do art. 32 pela Lei 9.876/1999
- Essa foi a tese acolhida pelo STJ no Tema 1070 e, sobre ela, trataremos mais detidamente nos tópicos seguintes.
O que foi Decidido pelo STJ na Tese Fixada do Tema 1070?
A tese sustentada pelo segurado do INSS nesse caso repetitivo foi, em suma, que a Lei 9876/1999 teria revogado tacitamente o art. 32 da Lei 8213/91.
Para sustentar essa tese, o segurado trouxe o contexto histórico, conforme vimos no ponto 1 supra, ou seja, sustentava que a sistemática das atividades concomitantes para cálculo do salário-de-benefício, disposta no art. 32, só fazia sentido enquanto necessária como medida para combater fraudes e distorções.
Em outras palavras, argumentava o segurado que, ao dar nova redação ao art. 29 da Lei 8213/91, o legislador teria esvaziado a necessidade da medida disposta no art. 32.
Deveras, a Lei 9876/99 alterou o texto do art. 29 da lei 8213/91, determinando que o valor do benefício seria o resultante da média de todo o período contributivo e não mais dos últimos 36 meses. Veja:
Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
(Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
I – para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;
Ora, se é preciso fazer a média de todo o período contributivo, então é impossível que alguém fraude o sistema inserindo contribuições no final do período contributivo, próximo à data da aposentadoria. Se é assim, a previsão do art. 32 da Lei 8213/91 (texto original de 1991) perdeu completamente seu espírito.
Assim, a forma de cálculo implantada pela Lei 9876/99 é incompatível com a regra do art. 32 da Lei 8213/91.
Por outro lado, a Lei 9876/99 também revogou a tabela do art. 29 da Lei 8212/91, transcrita acima, que traz a escala de valor de contribuição. Ainda que não o tenha feito de uma vez, implantou prazos que paulatinamente foram retirando força do dispositivo (art. 4º e seu §1º, da Lei 9876/99). Veja:
Art. 4º Considera-se salário-de-contribuição, para os segurados contribuinte individual e facultativo filiados ao Regime Geral de Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, o salário-base, determinado conforme o art. 29 da Lei no 8.212, de 1991, com a redação vigente naquela data.
§ 1o O número mínimo de meses de permanência em cada classe da escala de salários-base de que trata o art. 29 da Lei no 8.212, de 1991, com a redação anterior à data de publicação desta Lei, será reduzido, gradativamente, em doze meses a cada ano, até a extinção da referida escala.
Essa sangria da escala prevista no art. 29, da Lei 8212/91 cessou de uma vez por todas em 01/04/2003, quando a Medida Provisória 83, de 12/12/2002 (ratificada pela Lei 10666/2003) extinguiu, a partir de 1º de abril de 2003, a escala de salário-base (artigos 9º e 14). Veja:
Art. 9º. Fica extinta a escala transitória de salário-base, utilizada para fins de enquadramento e fixação do salário-de-contribuição dos contribuintes individual e facultativo filiados ao Regime Geral de Previdência Social, estabelecida pela Lei no 9.876, de 26 de novembro de 1999.
Assim, as duas medidas legais adotadas para impedir que os segurados se aproveitassem da regra do art. 29, da Lei 8213/91, em sua redação original, a saber, (1ª) a escala de contribuições para contribuintes individuais (art. 29, da Lei 8212/1991) e (2ª) a sistemática de atividades concomitantes, para contribuíntes empregados (art. 32, da Lei 8213/91), não eram mais necessárias a partir da nova redação dada ao art. 29 da Lei 8213/91, pela Lei 9876/99.
Desse modo, a forma de cálculo de benefícios estabelecida pela Lei 9876/99 e pela Lei 10666/2003 é incompatível com o art. 32 da Lei 8213/91 (redação originária).
Essa tese foi decidida pelo STJ, nos Recursos Especiais 1870793/RS; 1870815/PR e 1870891/PR, que foram selecionados para o tema 1070, de forma a acolhê-la por completo. Senão, vejamos a tese firmada:
Após o advento da Lei 9.876/99, e para fins de cálculo do benefício de aposentadoria, no caso do exercício de atividades concomitantes pelo segurado, o salário-de-contribuição deverá ser composto da soma de todas as contribuições previdenciárias por ele vertidas ao sistema, respeitado o teto previdenciário.
Isso posto, não há que se falar mais em múltiplas médias e em múltiplos fatores previdenciários para calcular o salário-de-benefício, ao contrário, o INSS deve somar os valores bases das contribuições havidas em razão de cada uma das atividades prestadas num mesmo mês pelo segurado. Essa soma será o salário-de-contribuição daquele mês.
O que Muda com a Lei 13.846/2019
A acolhida pelo STJ o tema 1070, que dava uma interpretação sistemática e histórica ao art. 32 da Lei 8213/91, somente recebeu reflexos na legislação no ano de 2019, quando a Lei 13.846/2019 deu nova redação ao art. 32 da Lei 8213/91. Por isso, vejamos como ficou a redação desse dispositivo:
Art. 32. O salário de benefício do segurado que contribuir em razão de atividades concomitantes será calculado com base na soma dos salários de contribuição das atividades exercidas na data do requerimento ou do óbito, ou no período básico de cálculo, observado o disposto no art. 29 desta Lei.
(Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Assim, a Lei 13.846/2019 não deveria ter alterado nada, mas apenas levado à Lei de Benefícios a interpretação já pacificada pelo STJ. Ocorre que, conforme veremos abaixo, o INSS mantinha seu entendimento anterior, o que somente fora alterado pela Lei 13.846/2019. Em outras palavras, o INSS passou a aceitar que as contribuições em múltiplas atividades em um mesmo mês deveriam ser somadas para se chagar ao salário de contribuição, apenas quando a Lei 13.846/2019 foi publicada.
O INSS Reconhece a Revisão das Atividades Concomitantes Após a Decisão do STJ?
Não, o INSS não reconhece a interpretação dada ao art. 32 da Lei 8213/91 pelo STJ no Tema 1070.
Isso é o que se extrai da Instrução Normativa 128 de 28/03/2022. Vejamos:
Art. 225. O salário de benefício do segurado que contribui em razão de atividades concomitantes será calculado com base na soma dos salários de contribuição das atividades exercidas no período básico de cálculo.
§ 1º Em se tratando de DIB, ou, no caso dos benefícios por incapacidade, de DII, anterior a 18 de junho de 2019, data da publicação da Lei nº 13.846, deverá ser observada a múltipla atividade.
§ 2º Para efeito do disposto no § 1º, será considerada múltipla atividade quando o segurado exercer atividades concomitantes dentro do PBC e não cumprir as condições exigidas ao benefício requerido em relação a cada atividade.
Vê-se, pois, que o INSS manteve a ilegalidade de seus atos administrativos até 18.6.2019, data da publicação da Lei 13.846/2019.
Isso posto, há milhares de casos em que o valor do benefício está calculado de forma equivocada. Assim, essa é uma causa potencialmente muito boa e que merece sua atenção.
Perguntas e Respostas Sobre o Tema 1070 do STJ
Nesse tópico, tratarei de dúvidas que ocorrem muito com advogados que estão iniciando suas carreiras no direito previdenciário. Por isso, caso esse não seja o seu caso, talvez seja melhor deixar de ler esse tópico.
O que é salário-de-benefício?
Salário-de-benefício é um conceito trazido pela Lei 8213/91 desde sua redação original. Sua função é dar uma base sobre a qual o legislador aplicaria diferentes alíquotas para se chegar ao valor do benefício. Assim, Salário-de-benefício X Alíquota = Valor do Benefício. Para o auxílio-doença, por exemplo, a alíquota é de 0,91 (ou 91%). Por isso, o valor do auxílio-doença é equivalente a 91% do salário-de-benefício.
O que é salário-de-contribuição?
Salário-de-contribuição é o valor sobre o qual ocorreu a incidência de contribuição previdenciária num determinado mês. Desse modo, para o empregado, é o valor do salário, mais gorjetas e outras verbas que tinham o objetivo de remunerar o trabalho; para o contribuinte individual, o total dos seus rendimentos; para o facultativo, o valor por ele declarado.
Em caso de contribuições concomitantes ao INSS, a pessoa se aposenta mais rápido?
Não. Isso porque duas contribuições recolhidas num mesmo mês devem ser somadas e formarão apenas um salário-de-contribuição.
Trabalho em dois empregos conta para aposentadoria?
Sim, conta. Ocorre que se seu cliente trabalhou em dois empregos os valores dos salários e demais remunerações recebidos em razão de cada trabalho devem ser somadas. Por outro lado, o tempo conta apenas uma vez.
O tema 1070 do STJ já foi julgado?
Sim, o tema foi julgado, o acórdão foi publicado e pode ser acessado por esse link.
Conclusão
Nesse texto procurei te explicar em que contexto os REsps 1870793/RS; 1870815/PR e 1870891/PR foram afetados pelo STJ e quais as razões por trás da tese firmada no Tema 1070. Para isso, vimos que a sistemática das atividades concomitantes veio ao ordenamento jurídico como uma medida legal que visava evitar fraudes e planejamentos previdenciários duvidosos.
Além disso, vimos que a razão de ser dessa medida estava na redação originária do art. 29 da Lei 8213/91 e que perdeu a finalidade com o evento da Lei 9876/99, que deu nova redação ao art. 29 da Lei de Benefícios.
Por fim, vimos que, no que pese a tese firmada pelo STJ não deixasse nenhuma dúvida acerca da interpretação que deveria ser dada ao art. 32, o INSS continuou a interpretar literalmente esse dispositivo, cometendo, portanto, ilegalidades, passíveis de correção em ação revisional de benefício.
Caso você tenha gostado do assunto e queira obter sucesso na sua carreira por meio do direito previdenciário, ative as notificações e se inscreva na nossa lista vip de e-mails que recebem em primeira mão conteúdos novos e materiais extras.
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