O Novo Tema 317 da TNU 

O Futuro da Prova de Ruído na Aposentadoria Especial

A luta pelo reconhecimento do tempo especial é uma jornada de detalhismo. No campo previdenciário, a regra é clara: o segurado deve comprovar, de forma inequívoca, que esteve exposto a agentes nocivos acima dos limites de tolerância. Quando se trata do agente ruído, historicamente um dos mais comuns, a documentação exigida sempre foi rigorosa.

A recente e definitiva alteração no Tema 317 da Turma Nacional de Uniformização (TNU) – órgão máximo dos Juizados Especiais Federais – trouxe um balde de água fria para muitos segurados e advogados, exigindo um nível de formalidade ainda maior nos documentos de prova.

Neste artigo, vamos desvendar as consequências dessa nova tese, entender o vaivém judicial que a precedeu, analisar o que mudou na prática e, o mais importante, orientar sobre como o segurado deve agir diante de erros no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP).

TÓPICOS

O Contexto: Tema 174 e o Início da Controvérsia

Antes de mergulharmos no Novo Tema 317, é fundamental relembrar o marco que deu origem a toda a discussão: o Tema 174 da TNU.

O que dizia o Tema 174 da TNU?

O Tema 174 da TNU já estabelecia diretrizes rígidas para a comprovação do ruído após 19 de novembro de 2003, data em que o limite de tolerância foi reduzido de 90 dB(A) para 85 dB(A). Veja:

(a) “A partir de 19 de novembro de 2003, para a aferição de ruído contínuo ou intermitente, é obrigatória a utilização das metodologias contidas na NHO-01 da FUNDACENTRO ou na NR-15, que reflitam a medição de exposição durante toda a jornada de trabalho, vedada a medição pontual, devendo constar do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) a técnica utilizada e a respectiva norma”; 

(b) “Em caso de omissão ou dúvida quanto à indicação da metodologia empregada para aferição da exposição nociva ao agente ruído, o PPP não deve ser admitido como prova da especialidade, devendo ser apresentado o respectivo laudo técnico (LTCAT), para fins de demonstrar a técnica utilizada na medição, bem como a respectiva norma”.

Apesar da clareza, na prática, muitas empresas apenas preenchiam o campo do PPP indicando a técnica “dosimetria” ou o equipamento “dosímetro”, sem citar NHO-01 ou NR-15. Era sobre essa omissão que o Tema 317 se debruçaria: 

“A menção à técnica da dosimetria ou ao dosímetro no PPP é suficiente para se concluir pela observância das determinações da Norma de Higiene Ocupacional (NHO-01) da FUNDACENTRO e/ou da NR-15, nos termos do Tema 174 da TNU?”.

O Vaivém Judicial: Interpretação e Anulação

O julgamento do Tema 317 não foi linear, envolvendo um intenso debate e até mesmo uma anulação de decisão, que demonstram a seriedade e o impacto da decisão.

O Resumo das Decisões

A Primeira Tese (Anulada):

Inicialmente, a TNU havia decidido que a menção à dosimetria ou ao dosímetro no PPP gerava uma presunção relativa de que as normas NHO-01 e/ou NR-15 foram observadas. Essa tese buscava proteger o segurado, evitando que vícios formais do documento – de responsabilidade da empresa – prejudicassem o direito ao tempo especial. Somente se houvesse fundada dúvida é que o juiz poderia desconsiderar essa presunção e exigir o LTCAT.

Anulação do Primeiro Julgamento:

Em sede de Embargos de Declaração, o julgamento foi anulado. O motivo foi a violação do devido processo legal. O acórdão anulado havia se baseado em audiências de esclarecimento realizadas por videoconferência com técnicos da FUNDACENTRO, cujas informações foram consideradas determinantes para a construção do voto. Contudo, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e as demais partes não tiveram acesso prévio ou oportunidade de se manifestar sobre esses esclarecimentos técnicos, o que configurou o chamado “argumento de surpresa”.

A Tese Final e Vencedora (O Novo Tema 317):

Retomado o julgamento, com a análise técnica aprofundada das normas, a TNU, por maioria, mudou radicalmente o entendimento, fixando uma tese restritiva em 18/09/2025. Veja:

Tese fixada: A menção à dose, dosímetro ou dosimetria no PPP não é suficiente para se concluir pela observância das determinações da Norma de Higiene Ocupacional (NHO-01) da FUNDACENTRO e/ou da NR-15, nos termos do Tema 174 da TNU. É necessária menção expressa às referidas normas para indicar que as técnicas e metodologias utilizadas na aferição do ruído seguiram todos os seus preceitos.

Assim, a partir de agora, se o PPP não fez constar NHO-01 ou NR-15, no campo 15.5, você precisará pedir à empresa sua retificação, sob pena de, não o fazendo, ter o direito de comprovação da exposição ao agente ruído preclusa. Em outras palavras, se a empresa apresenta PPP omisso no 15.5 e o segurado junta esse documento ao Processo Administrativo e, na sequência, ao Processo Judicial, sem qualquer impugnação, na prática estará comprovando a ausência de exposição ao ruído

O Comparativo: As Duas Redações do Tema 317

O ponto central para entender o novo cenário é a diferença entre a interpretação inicial e a tese final.

Versão do Tema 317Situação (Menção no PPP)Conclusão JudicialNatureza
Primeira (Anulada)Dosimetria ou DosímetroGera Presunção Relativa de obediência à NHO-01/NR-15.Protetiva
Definitiva (Final)Dose, Dosímetro ou DosimetriaNÃO É SUFICIENTE. É exigida menção expressa à NHO-01 e/ou NR-15.Restritiva

O impacto é imediato: o que antes era aceito por presunção, agora é formalmente recusado se não houver a citação explícita da metodologia.

A Justificativa Técnica: Por que a Dosimetria Não Basta?

O extenso voto do relator explica em detalhes por que a mera menção à dosimetria é insuficiente e perigosa, endossando a tese final.

A conclusão é que a dosimetria é apenas uma técnica de medição, mas as normas NHO-01 e NR-15 estabelecem metodologias complexas que envolvem muito mais do que apenas usar o equipamento.

O Rigor da NHO-01 e da NR-15

O julgamento técnico demonstrou que a NHO-01 e a NR-15 são rigorosas. A NHO-01, por exemplo, exige:

  1. Especificações do Equipamento: O dosímetro deve atender a especificações técnicas corretas (p. ex., classificação mínima Tipo 2, circuito de ponderação “A”, incremento de duplicação de dose q=3).
  2. Procedimentos de Medição: Calibração prévia e posterior, posicionamento do microfone dentro da zona auditiva do trabalhador (raio de 150 mm ± 50 mm da entrada do canal auditivo).
  3. Cálculos: A dosimetria deve ser representativa de toda a jornada e, se não cobrir o período integral, o resultado deve ser projetado para a jornada diária efetiva, muitas vezes resultando no Nível de Exposição Normalizado (NEN).

Já a NR-15, embora menos detalhada, exige que, em casos de exposição a múltiplos níveis de ruído, se utilize uma fórmula matemática própria para calcular os efeitos combinados (soma das frações Cn/Tn), algo que o simples número no PPP não revela.

O raciocínio do relator é incisivo: a menção a dosimetria ou dosímetro não garante que o profissional seguiu os critérios de calibração, posicionamento ou os cálculos complexos exigidos pelas normas. Sem a citação expressa da norma/metodologia, não há como saber se todos esses preceitos foram observados.

Rúido - Martins Advogados

O Tema 174 foi revogado?

Não. O Tema 174 da TNU não foi revogado. Ele permanece como o pilar que estabelece a obrigação de utilizar as metodologias NHO-01 ou NR-15 para aferição do ruído a partir de 19/11/2003, e a necessidade de que o PPP mencione a técnica e a norma.

O Tema 317 não altera o teor do tema 174, já que trata apenas da forma como se pode comprovar que as normas técnicas foram seguidas. Em última análise, ele apenas reforça o item (a) do Tema 174, ao exigir que a menção à norma (NHO-01 ou NR-15) seja expressa, e não presumida pela simples palavra “dosimetria”.

Como o segurado deve proceder se o PPP contém Erro ou Mentira?

O novo Tema 317 torna a vida do segurado mais difícil, mas não impede o reconhecimento do tempo especial quando o direito é real. O que fazer se você tem um PPP que cita as normas técnicas (NHO-01 ou NR-15), mas você suspeita ou sabe que:

  • O nível de ruído informado está incorreto (menor do que o real);
  • A técnica que informa não foi aplicada (a medição real foi pontual e não seguiu as normas técnicas);

Se o PPP contém dados incorretos, há uma falha ou omissão. Neste caso, o segurado deve proceder da seguinte forma:

Exigir o Laudo Técnico (LTCAT): O primeiro passo é solicitar à empresa (ou buscar judicialmente a sua apresentação) o LTCAT (Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho) ou o PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) que deu origem ao PPP. O LTCAT é a prova mestra, pois ele contém toda a metodologia, as medições e as memórias de cálculo que o PPP apenas resume. Ele pode revelar se a técnica foi realmente aplicada.

Inversão do Ônus da Prova e Proteção do Trabalhador: o segurado não pode ser prejudicado por vícios formais ou vícios de conteúdo que são de responsabilidade da empresa (e de fiscalização do INSS). Se o segurado tem o PPP e indica a exposição, a justiça deve buscar a verdade real dos fatos. Isso é mais facilmente conseguido na Justiça do Trabalho, do que na Justiça Federal. Saiba mais.

A Solução Judicial: Perícia Técnica: Se a empresa não fornecer o LTCAT, ou se este também for suspeito, o caminho é a perícia judicial. O juiz pode determinar a realização de uma perícia técnica no local de trabalho (ou em local similar, em caso de empresa extinta) para que um perito de confiança do juízo avalie as reais condições de trabalho e a correta aplicação das normas. Na prática, porém, não tem sido fácil conseguir o deferimento da prova pericial na Justiça Federal em casos nos quais o PPP foi disponibilizado pela empresa. Assim, mais uma vez recomendamos que a impugnação de PPP ocorra em Reclamatória Trabalhista, antes do ajuizamento da ação previdenciária perante a Justiça Federal.

    O princípio da proteção do trabalhador e da razoabilidade deve prevalecer. O segurado esteve submetido a riscos e não pode pagar o preço pela desídia ou má-fé da empresa em elaborar os documentos técnicos.

    Conclusão: A Necessidade de Atenção Máxima ao PPP

    O Novo Tema 317 da TNU representa uma vitória da formalidade e um acréscimo de rigor no já complexo processo de comprovação do ruído.

    A partir de agora, a mera menção a “dosimetria” ou “dosímetro” no PPP não será suficiente para garantir o reconhecimento da atividade especial. O documento deve ser cristalino, mencionando expressamente as metodologias NHO-01 ou NR-15.

    Norma Regulamentadora de Atividades e Operações Insalubres NR-15; Clique aqui para saber mais.

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