Competência em Caso de Acidente de Trabalho – Tema 1053 do Superior Tribunal de Justiça

No Tema 1053, o STJ fixou a tese sobre (1) a legitimidade dos dependentes para discutir a revisão do benefício do de cujus e (2) como se conta o prazo de decadência. Veja mais.

Tópicos

Introdução

A competência para julgar ações que decorrem de acidente de trabalho é da Justiça Estadual e, sobre isso, a jurisprudência dos tribunais já é pacífica há muito tempo. Por outro lado, não se argumentava que a competência seria dos Juizados Especiais Cíveis, porque a Lei 9099/95 expressamente excluía essa possibilidade. Veja:

Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

Ocorre que surgiu uma tese nova, qual seja, que com a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública pela Lei 12153/2009, no âmbito da Justiça Estadual, seria possível a aplicação analógica do art. 3º da Lei dos Juizados Especiais Federais, vejamos:

Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

LEI Nº 10.259, DE 12 DE JULHO DE 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

Isso porque, a Lei 12153/2009 não afastou expressamente a competência para ações decorrentes de acidente de trabalho. Vejamos:

Art. 2º É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.

§ 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:

I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;

II – as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;

III – as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.

(…)

§ 4o No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta.

LEI Nº 12.153, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2009. Dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.

Dessa forma, seria possível deslocar para os juizados o julgamento das ações decorrentes de acidente de trabalho, cujo valor da causa fosse inferior a 60 salários mínimos.

Por tudo isso, a tese fazia sentido e foi assim que o Tribunal de Justiça do Mato Grosso passou a declarar a incompetência da Justiça Estadual Comum para processar e julgar essas ações.

Contexto histórico do Tema 1053 – Pertinência da decisão do STJ

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso havia entendido que a competência para julgar processos previdenciários que decorressem de acidente de trabalho seria dos Juizados Especiais (estaduais) da Fazenda Pública.

Veja como vinha decidindo o TJ/MT repetidas vezes:

AGRAVO INTERNO – APELAÇÃO – PRETENSÃO AO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO -VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA INFERIOR A SESSENTA (60) SALÁRIOS MÍNIMOS – COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA – TESE FIXADA EM SEDE DE INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS PELA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO (TEMA Nº 1) – OBSERV NCIA – NECESSIDADE – PRESENÇA DE AUTARQUIA FEDERAL NA LIDE – IRRELEV NCIA – REMESSA DOS AUTOS À TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO ESTADO DE MATO GROSSO – POSSIBILIDADE.

Autos 1017510-65.2019.8.11.0000

Essa decisão não era isolada, ao contrário, já havia tese fixada no TJMT sobre esse assunto e, portanto, a tendência seria a que outros tribunais começassem a aplicar o precedente por analogia. Diante disso, foi grande a pertinência do tema.

Entendendo o que foi decidido no tema 1053 do STJ

Em face das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso, foram interpostos diversos Recursos Especiais. Alguns desses recursos foram afetados pelo STJ e selecionados para o Tema 1053. Dentre eles, estava o REsp 1.859.931, cuja ementa, vamos transcrever, para facilitar sua consulta, in verbis:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.859.931 – MT (2020/0022480-5)
EMENTA (…)

  1. O tema repetitivo (1.053/STJ) consiste em “Saber se os Juizados Especiais da Fazenda Pública têm competência para o julgamento de ações previdenciárias decorrentes de acidente de trabalho em que o Instituto Nacional do Seguro Social figure como parte.”
  2. No caso, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso declinou da competência e remeteu o feito para a Turma Recursal Única do Estado.
  3. Ademais, entendeu que a vedação à aplicação da Lei dos Juizados Especiais Federais nos juízos estaduais (art. 20 da Lei 10.259/2001) incide apenas no caso de ações “distribuídas aos Juízos Estaduais investidos de jurisdição federal, como seria o caso do pedido de benefício previdenciário que nada tem a ver com causa de acidente de trabalho.” Aduziu ser “inaplicável, na hipótese, a regra de competência dos Juizados Especiais regidos pelas Leis nºs 10.259, de 12 de julho de 2001, e 12.153, de 22 de dezembro de 2009, em razão da natureza das pessoas envolvidas na relação processual, visto que, importaria em ofensa à Lei Mais Alta.” Consignou que “eventual necessidade de submissão do segurado à perícia médica para verificação de incapacidade laboral, não afasta a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública.”
RECURSO ESPECIAL Nº 1.859.931 – MT (2020/0022480-5). Inteiro Teor do Acórdão.

Antes de começar a analisar o que fora julgado pelo STJ, faço um alerta: o Tribunal de Justiça do Mato Grosso NÃO declinou competência ao Juizado Especial Federal, mas sim, ao Juizado Especial da Fazenda Pública, esse, instalado no âmbito da Justiça Estadual, conforme prevê a Lei 12.153/2009.

Assim, feita essa advertência, vamos entender melhor a decisão do STJ no Tema 1053. Para isso, dividirei esse assunto em alguns tópicos, a saber, quais foram os dispositivos nos quais se fundamentou o INSS ao recorrer? O que havia decidido o Tribunal de Justiça do Mato Grosso ao enfrentar, a seu tempo, os argumentos do INSS? O que decidiu o STJ?

Dito isso, vamos entender juntos o Tema 1053:

Quais foram os dispositivos nos quais se fundamentou o INSS ao recorrer?

O INSS interpôs seu recurso especial sustentando que a decisão do TJ-MT dava interpretação errada ao art. 5°, II, da Lei 12.153/2009; ao art. 8° da Lei 9.099/1995 e ao art. 3° da Lei 10.259/2001. Vejamos o que determinam cada um desses dispositivos:

Lei 12.153/2009 (Dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios).

Art. 5o Podem ser partes no Juizado Especial da Fazenda Pública:

II – como réus, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.

Lei 9.099/1995 (Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências).

Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

Lei 10.259/2001 (Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal).

Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

Art. 20. Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4o da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual.

Sustentava o INSS que, na verdade, a Lei 9099/95, quando veda que pessoas jurídicas de direito público possam ser partes nos processos dos Juizados Especiais Estaduais, também deve ser aplicada aos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estaduais. Além disso, alega que a Lei 12.153/2009 não alterou isso, porque não incluiu no inciso II a União e suas Autarquias. Portanto, fundamenta que não seria possível aplicar a Lei 10259/2001 na especificidade de permitir que o INSS seja parte em processos no Juizado da Fazenda Pública cujo valor seja de até 60 salários mínimos.

O que havia decidido o Tribunal de Justiça do Mato Grosso ao enfrentar, a seu tempo, os argumentos do INSS?

Em face desses argumentos, havia decidido o TJMG que

  • “a simples presença de autarquia federal na lide não é suficiente para afastar a aplicação da Lei n. 12.153, de 22 de dezembro de 2009, por se cuidar de causa relacionada a acidente de trabalho” (GRIFAMOS).

Assim, o que quis dizer o TJMT aqui foi que, dado que a Constituição Federal prevê regra de competência absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar ações acidentárias (art. 109, I), caberia à Justiça Estadual julgá-las, não obstante fosse parte uma autarquia federal.

Nisso, o Tribunal de Justiça havia acompanhado a jurisprudência do STJ, ou seja, realmente é da Justiça Estadual a competência para julgar ações decorrentes de acidentes de trabalho.

  • a vedação contida no art. 20 da Lei dos Jefs (Lei 10259/2001 seria aplicável somente às ações de competência delegada federal à Justiça Estadual (ações previdenciárias contra o INSS). Em outras palavras, não haveria vedação à aplicação analógica desse dispositivo à ações decorrentes de acidentes de trabalho, cuja competência já seria da Justiça Estadual originariamente.

Assim, o TJ/MT havia entendido que seria possível aplicar os procedimentos previstos na Lei 10259/2001 nos casos de acidente de trabalho.

  • Com base nisso, o TJMT decidiu que há competência absoluta do Juizado Especial da Fazenda Pública para processar e julgar as causas de acidente de trabalho de valor inferior a sessenta (60) salários mínimos, independentemente da complexidade da matéria e da necessidade de prova pericial.

O que decidiu o STJ no Tema 1053?

O Superior Tribunal de Justiça acolheu a tese do INSS, declarando que: “a superveniência da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009) não altera essa conclusão, pois seu art. 2º estabelece expressamente que compete a esses órgãos ‘processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos’. Do preceito se extrai que não estão incluídas nessa competência as causas de interesse da União e suas autarquias. Coerentemente, o art. 5º, II, da mesma Lei define que podem ser réus no Juizado Especial da Fazenda Pública ‘os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas’.” (Veja inteiro teor).

Ainda, para arrematar esse tópico, seria útil que víssemos juntos a tese firmada pelo STJ no tema 1053:

Tema Repetitivo 1053

Questão submetida a julgamento
Saber se os Juizados Especiais da Fazenda Pública têm competência para o julgamento de ações previdenciárias decorrentes de acidente de trabalho em que o Instituto Nacional do Seguro Social figure como parte.

Tese Firmada
Os Juizados Especiais da Fazenda Pública não têm competência para o julgamento de ações decorrentes de acidente de trabalho em que o Instituto Nacional do Seguro Social figure como parte.

Resta evidente, da leitura da tese firmada pelo STJ, que foi reformada a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Assim, os Juizados Especiais da Fazenda Pública são incompetentes para julgar ações decorrentes de acidente de trabalho, não obstante estejam instalados no âmbito da Justiça Estadual.

Efeitos da decisão do Tema 1053 do STJ na prática

No tópico anterior parece ter ficado claro o efeito da decisão. Porém, nesse tópico, resolvemos falar do que NÃO é efeito da tese firmada no Tema 1053.

Isso porque, para o Superior Tribunal de Justiça, apesar de ter decidido que a ação decorrente de acidente de trabalho não pode correr perante o Juizado Especial da Fazenda Pública e não obstante não tenha feito constar na tese firmada qual seria o juízo competente para processar e julgar essas ações, deixou de alterar seu posicionamento anterior.

Diante disso (e talvez você goste de saber), precisamos te contar que o STJ e o STF têm súmulas sobre essa matéria. Vejamos:

Súmula 15 do STJ: “Compete à Justiça estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho.”

Súmula 501 do STF: “Compete à Justiça Ordinária Estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista.”

Posto isso, o que foi submetido à decisão do STJ no tema 1053, foi, apenas, se era possível, no âmbito da Justiça Estadual, deslocar competência para os Juizados Especiais da Fazenda Pública, quando a causa tivesse valor inferior a 60 salários mínimos. Para resumir, o STJ disse que não; que a competência é mesmo da Justiça Estadual Comum.

Aplicam-se, portanto, de forma complementar à tese firmada no tema 1053, as Súmulas 15 do STJ e 501 do STF.

Perguntas e Respostas

O tema 1053 do STJ já foi julgado?

Sim, o tema 1053 foi julgado, já está com plena aplicação e pode ser acessado por esse link: Tema Repetitivo 1053.

O tema 1053 do STJ devolveu a competência para a Justiça Federal para julgar ações decorrentes de acidente de trabalho?

Não! Isso é um erro. Está em plena aplicação, ainda, a Súmula 15 do STJ que diz: “Compete à Justiça estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho.”

No âmbito do TJMT continua sendo aplicada a tese por ele firmada sobre a matéria?

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso realmente havia firmado tese sobre a matéria, mas a tese foi cancelada, porque a competência é do STJ.

Conclusão

Nesse texto analisamos o tema 1053 do STJ. Constatamos, assim, que restou fixado que a competência para julgar ações que decorrem de acidente de trabalho não é dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, no que pese tenham sido criados no âmbito da Justiça Estadual, já que a competência é da Justiça Estadual Comum, mantida a Súmula 15 do STJ.

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