Benefício recebido com má-fé: TNU aplica prescrição em caso de saque pós-morte

Sacar Benefício de Falecido é Crime, mas a TNU diz que a dívida só é imprescritível se houver condenação criminal. Entenda o alcance do RE 669.069 do STF e a aplicação do prazo quinquenal em ações de ressarcimento ao erário.

No complexo Direito Previdenciário, a gestão de benefícios após o falecimento do segurado traz questões desafiadoras. Além disso, distinguir entre o recebimento legítimo de valores residuais e os saques indevidos pós-óbito é fundamental, especialmente pelas implicações cíveis e penais. Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização (TNU) consolidou entendimento sobre a prescritibilidade da cobrança de valores recebidos de má-fé, mesmo em casos que, em tese, configuram ilícito penal.

O que a TNU decidiu nos autos Nº 0001246-25.2017.4.01.3701/MA

Porém, a Turma Nacional de Uniformização, no PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0001246-25.2017.4.01.3701/MA, sob a relatoria do Juiz Federal João Carlos Cabrelon de Oliveira, negou provimento ao pedido do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O INSS tentava reverter um acórdão da 2ª Turma Recursal do Maranhão. Esse acórdão reconheceu a prescrição de uma dívida relacionada ao recebimento indevido do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Devido a tese do INSS era que a conduta da parte autora, que realizou saques do benefício de sua filha falecida entre julho de 2009 e dezembro de 2011, configurava um ilícito penal (estelionato previdenciário), o que, por sua vez, atrairia a regra da imprescritibilidade prevista no art. 37, § 5º, da Constituição Federal. O INSS apresentou como paradigma um julgado da 3ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul que, em situação análoga, afastou a prescrição.

Contudo, o acórdão recorrido havia entendido que a ressalva do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a imprescritibilidade dos ilícitos penais só teria curso se houvesse a instauração da respectiva ação penal.

A TNU manteve o entendimento do acórdão recorrido, acompanhando a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores. O STF, no julgamento do RE 669.069/MG (com repercussão geral), firmou a tese de que “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”. A imprescritibilidade vale apenas para danos decorrentes de atos tipificados como improbidade administrativa ou ilícito penal efetivamente configurado. É importante notar que a tese originalmente proposta pelo Ministro Relator Teori Zavascki, que tinha uma compreensão mais ampla, foi decotada.

Posicionamento do STJ sobre Sacar benefício de falecido

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também tem se posicionado, afirmando que, se não houver o reconhecimento da natureza ímproba ou criminal do ato em um processo formal, a pretensão de ressarcimento se sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, conforme o art. 1º do Decreto 20.910/1932. O Ministro Relator do STJ, em um dos julgados citados, destacou:

“Enquanto não reconhecida a natureza ímproba ou criminal do ato causador de dano ao erário, a pretensão de ressarcimento sujeita-se normalmente aos prazos prescricionais.”

E ainda:

“Tal precedente é aplicável ao caso dos autos, uma vez que não se trata de improbidade administrativa, tampouco há notícia de sentença criminal transitada em julgado em desfavor do réu, o que enseja o reconhecimento de ato ilícito civil e impõe o afastamento da tese de imprescritibilidade aventada pelo INSS.”

Conforme o voto condutor do Juiz Federal Relator João Carlos Cabrelon de Oliveira na TNU:

“Assim, somente quando efetivamente configurado o ilícito penal, mediante observância do devido processo legal, pode-se cogitar da imprescritibilidade da ação de reparação de dano à Fazenda Pública, decorrente do ilícito civil respectivo. No caso concreto, ainda que demonstrado que a parte autora, mesmo após o óbito da filha beneficiária do benefício assistencial, continuou a realizar saques desse benefício, no período compreendido entre 07/2009 e 12/2011, fato que, em tese, configura o crime de estelionato previdenciário, previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, não houve a instauração da respectiva ação penal, o que afasta a tese da imprescritibilidade do dano, defendida pelo INSS.”

A ementa da decisão da TNU é clara ao dispor:

“PRESCRITIBILIDADE DO ILÍCITO CIVIL FIRMADA PELO STF NO JULGAMENTO DO RE 669.069. NECESSIDADE DE CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO PENAL, MEDIANTE O DEVIDO PROCESSO LEGAL, PARA CARACTERIZAR A IMPRESCRITIBILIDADE DA RESPECTIVA AÇÃO DE RESSARCIMENTO. FATO NÃO VERIFICADO NOS AUTOS. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL MANTIDO. RECURSO DO INSS NÃO PROVADO.”

Portanto, a TNU manteve a ocorrência da prescrição quinquenal, mesmo reconhecendo a má-fé da parte autora, pois não houve a configuração formal do ilícito penal através de ação criminal.

Qual a diferença entre Resíduos de aposentadoria e Saques pós morte?

Sobretudo, para a atuação do advogado previdenciarista, é crucial diferenciar essas duas situações que geram consequências jurídicas distintas:

  • Resíduos de Aposentadoria (ou outros benefícios): São valores que eram devidos ao segurado até a data de seu falecimento, mas que, por trâmites administrativos ou bancários, foram pagos após o óbito. Por exemplo, se o falecimento ocorreu em abril, mas o pagamento referente aos dias de abril foi creditado em maio, esse valor é um “resíduo”. Esses valores são um direito legítimo dos herdeiros e sucessores, e o INSS prevê a sua atualização monetária a partir da data em que o crédito deveria ter sido pago.
  • Saques Pós-Morte Indevidos: Pessoas continuam sacando o benefício mesmo após o segurado falecer. Quando alguém morre, o INSS corta o benefício imediatamente. O Instituto usa mecanismos, como a comunicação de óbitos pelos cartórios ao Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (SIRC), para interromper os pagamentos. A lei obriga quem souber que os pagamentos continuam a comunicar o óbito. Quem mantém os saques comete uma irregularidade e pratica o crime de estelionato previdenciário (Art. 171 do Código Penal), com pena de 1 a 5 anos de reclusão e multa. Mesmo que a intenção seja pagar despesas funerárias, essa prática é ilegal. Além da punição criminal, o responsável deve devolver os valores atualizados. O INSS investiga junto aos bancos para identificar os responsáveis pelos recebimentos indevidos.

Como orientar os familiares que me procuram para retirar resíduos?

A atuação preventiva do advogado é essencial para resguardar os interesses dos familiares e evitar ilícitos. Isto é, ao ser consultado sobre valores deixados por segurados falecidos, o profissional deve orientar:

  1. Não Realizar Saques Diretos: Mesmo que o valor do benefício esteja disponível na conta bancária do falecido, a família não deve efetuar o saque.
  2. Comunicar o Óbito ao INSS: Se a família ainda não comunicou formalmente o falecimento ao INSS, ela deve fazer isso pela Central 135 ou pelo Meu INSS, usando o serviço “Solicitar Desistência/Encerramento/Renúncia de Benefício”.
  3. Requerer Formalmente os Resíduos: Os herdeiros devem solicitar o pagamento dos valores não recebidos em vida pelos canais remotos do INSS, no serviço “Solicitar emissão de pagamento não recebido”. Se os valores já tiverem sido depositados na conta do segurado após o óbito, a solicitação deve ser feita junto à instituição bancária.
  4. Apresentar a Documentação Correta:
    • Se houver dependente para pensão por morte: O dependente só poderá requerer os resíduos após a concessão da própria pensão por morte.
    • Se não houver dependentes legais para pensão: Você deve apresentar um alvará judicial, formal de partilha ou inventário, pois o advogado ou o INSS exige esses documentos para comprovar legalmente que você é herdeiro. Sem essa documentação, o INSS não libera o pagamento do resíduo.
  5. Entender o Pagamento: O INSS paga os valores por meio de Pagamento Alternativo de Benefício (PAB).

Posso aproveitar esse momento para prospectar ações de pensão?

Sim, o contato dos familiares sobre o benefício do segurado falecido é uma ótima oportunidade para prospectar ações de pensão por morte.

Ao auxiliar na regularização dos resíduos ou na compreensão das consequências do saque de benefício após falecimento, o advogado estabelece uma relação de confiança. Nesse contexto, é natural que os familiares busquem informações sobre outros direitos previdenciários.

Você pode:

  • Identificar Potenciais Dependentes: Durante a conversa sobre os resíduos, o advogado pode identificar dependentes elegíveis à pensão por morte (cônjuge, filhos, pais, irmãos).
  • Oferecer Assessoria Completa: Sendo assim, a pensão por morte é um benefício que passou por diversas e complexas alterações legislativas nos últimos anos, e muitas vezes não é concedida de forma vitalícia ou com o valor correto. A oferta de uma análise completa dos direitos à pensão, incluindo a possibilidade de concessão ou revisão do benefício, demonstra expertise e valor ao cliente. É um serviço de alta relevância que pode gerar novas ações para o escritório.

Conclusão

Em resumo, a decisão da TNU nos autos Nº 0001246-25.2017.4.01.3701/MA representa um marco importante ao reafirmar que a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário, mesmo em casos de má-fé, depende da efetiva configuração de um ilícito penal mediante processo criminal. Essa nuance é vital para a defesa em ações regressivas do INSS.

Além disso, para o advogado previdenciarista, é fundamental, antes de tudo, distinguir claramente entre resíduos e saques indevidos. Também é essencial, portanto, orientar corretamente os familiares sobre os procedimentos após o falecimento do segurado. Ademais, ter uma visão estratégica para identificar e prospectar ações de pensão por morte fortalece a atuação. Por fim, manter-se atualizado com a jurisprudência, como o entendimento de que sacar benefício de falecido é crime, mas que a cobrança da dívida sem condenação formal prescreve, é vital para proteger os direitos dos clientes no complexo cenário previdenciário.

Marcelo Martins: Advogado, inscrito na OAB/PR 35.732 pós-graduado em Direito do Estado, pela Universidade Estadual de Londrina – UEL